O OFÍCIO DE
DEUS
Raul
Brandão costumava dizer: “o jovem tem todos os defeitos dos mais velhos e mais
um: a imaturidade”.
Jovens,
ou quem jovem se acha, tende a ignorar inconveniências da vida. A primeira
delas é reprimir a ideia da velhice. Ou faz pior, rindo-se dela.
O
jovem saudável tende a achar que desgraças só acontecem com os outros; inclusive
a velhice provecta e suas limitações: da mobilidade, do raciocínio, da
sexualidade, da memória. Isto para não mencionar outras limitações, verdadeiras
indignidades, como usar fralda e ser “trocado”, ser alimentado, banhado.
Alargando
a reflexão, conclui-se que a saúde confere a sensação de juventude. Com saúde é
fácil esquecer que o Opa, o Nono, de bengala, e quiçá fralda descartável, já
foi jovem um dia. Com saúde é fácil esquecer-se dos hospitais, quase sempre
lotados, sempre com novos doentes, novos dramas, novas desgraças. Hospitais são
ocupados com pessoas que há um dia, há uma semana ou há um mês, estavam felizes
e saltitantes, esquecidas que as desgraças nos espreitam em permanente atitude
de emboscada.
Embora
o noticiário diário venha prenhe de desgraças, a repressão deste lado escuro da
realidade é muito forte e eficaz. Repressão é um dos vitais mecanismos de
defesa do ego, conforme Freud.
Os
volumosos manuais médicos, os “textbooks”, descrevem minuciosamente todo tipo
de doença, suas gravidades, se curáveis ou não, citando o porcentual em que tal
ou qual desgraça ocorre, justamente entre a população saudável que se julga
jovem e imune. No entanto, estão lá as terríveis estatísticas que serão
inexoravelmente preenchidas. Preenchidas por nós, eu, você. Se escaparmos das estatísticas
das enfermidades, dos desastres, da morte prematura, seremos incluídos
finalmente nas de decrepitude.
Sé
existe uma entidade que tudo cria, comanda e controla, que é onipotente e
onisciente, cabe a ela apontar quem preencherá estas terríveis estatísticas,
estas camas de hospital, estes leitos de morte.
É
a parte menos glamorosa do trabalho, do “job”, de Deus.
É
o “salubérrimo e simpaticíssimo defeito da imaturidade”, como dizia Nelson
Rodrigues, que faz a vítima em potencial olhar otimista para o sol brilhando no
cume, caridosamente afastando sua vista do precipício medonho e real.
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Um comentário:
bravo DR. zilig. O respeito ao idoso deve ser ensinado aos mais jovens desde a fralda. um povo que nao respeita seus idosos não tem futuro.
muito obrigado pela reflexão.
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