4 de fevereiro de 2013

CEZAR ZILLIG


O OFÍCIO DE DEUS

Raul Brandão costumava dizer: “o jovem tem todos os defeitos dos mais velhos e mais um: a imaturidade”.
Jovens, ou quem jovem se acha, tende a ignorar inconveniências da vida. A primeira delas é reprimir a ideia da velhice. Ou faz pior, rindo-se dela.
O jovem saudável tende a achar que desgraças só acontecem com os outros; inclusive a velhice provecta e suas limitações: da mobilidade, do raciocínio, da sexualidade, da memória. Isto para não mencionar outras limitações, verdadeiras indignidades, como usar fralda e ser “trocado”, ser alimentado, banhado.
Alargando a reflexão, conclui-se que a saúde confere a sensação de juventude. Com saúde é fácil esquecer que o Opa, o Nono, de bengala, e quiçá fralda descartável, já foi jovem um dia. Com saúde é fácil esquecer-se dos hospitais, quase sempre lotados, sempre com novos doentes, novos dramas, novas desgraças. Hospitais são ocupados com pessoas que há um dia, há uma semana ou há um mês, estavam felizes e saltitantes, esquecidas que as desgraças nos espreitam em permanente atitude de emboscada.
Embora o noticiário diário venha prenhe de desgraças, a repressão deste lado escuro da realidade é muito forte e eficaz. Repressão é um dos vitais mecanismos de defesa do ego, conforme Freud.
Os volumosos manuais médicos, os “textbooks”, descrevem minuciosamente todo tipo de doença, suas gravidades, se curáveis ou não, citando o porcentual em que tal ou qual desgraça ocorre, justamente entre a população saudável que se julga jovem e imune. No entanto, estão lá as terríveis estatísticas que serão inexoravelmente preenchidas. Preenchidas por nós, eu, você. Se escaparmos das estatísticas das enfermidades, dos desastres, da morte prematura, seremos incluídos finalmente nas de decrepitude.
Sé existe uma entidade que tudo cria, comanda e controla, que é onipotente e onisciente, cabe a ela apontar quem preencherá estas terríveis estatísticas, estas camas de hospital, estes leitos de morte.
É a parte menos glamorosa do trabalho, do “job”, de Deus.
É o “salubérrimo e simpaticíssimo defeito da imaturidade”, como dizia Nelson Rodrigues, que faz a vítima em potencial olhar otimista para o sol brilhando no cume, caridosamente afastando sua vista do precipício medonho e real.

enviado por e-mail.
também publicado em: www.santa.com.br 


Um comentário:

Anônimo disse...

bravo DR. zilig. O respeito ao idoso deve ser ensinado aos mais jovens desde a fralda. um povo que nao respeita seus idosos não tem futuro.
muito obrigado pela reflexão.