23 de maio de 2011

CESAR ZILLIG


"DRAMA SOB A PONTE

Da janela avista-se por entre a mata o grande Itajaí fluindo lento, denso; remoinhos aqui e ali sugerem pares invisíveis a valsar no éter. Um odor úmido de tanino, seu cheiro pessoal, demarca seus domínios. O marulhar monótono e permanente retalhado de gorjeios, emprestam sonoridade ao quadro idílico
Faz doze anos que vieram para cá, quase por acaso. Não foi o rio que os atraiu, mas a proximidade do local de trabalho, uma necessidade imediata. O rio e seus encantos foi uma descoberta posterior, uma espécie de bônus. A princípio haviam apenas alugado a casa; com o tempo encantaram-se com o lugar, fizeram as necessárias economias e conseguiram adquirir a residência. Por ser um fim de rua o sossego era assegurado. Inebriados pela propriedade, foram agregando-lhe valores; não faz muito reformaram todo o interior e fizeram móveis sob medida. Os cômodos foram pintados ao gosto de cada ocupante e receberam apliques em gesso. Nestes anos todos, se cultivou flores no jardim e amizades pela vizinhança. A casa estava enfim um sonho, um lugar para se viver por toda uma vida. Além destes investimentos materiais, a casa e o lugar conquistaram um vasto espaço em seus corações. Era o seu lar, o seu castelo. Cada cantinho era prenhe em recordações, geralmente felizes.
Quando tudo esta bom, bom demais, parece despertar a ira do destino; e de fato ele resolveu interferir: travestido em “progresso” veio bater-lhes à porta com uma notificação de desapropriação. A floresta teria que vir abaixo, a rua teria que saltar o rio e seguir seu rumo. A obra é necessária, ninguém contesta. O que se contesta é a forma simplista proposta para indenizar tamanho e inesperado incômodo infligido àquelas vidas: utilizando apenas uma prosaica tabela, baseada em metros quadrados, usada pelo mercado imobiliário como se aquele fosse apenas um negócio qualquer sem considerar benfeitorias e apego afetivo. Acontece que esta não é uma transação usual. É uma profunda ingerência na vida daquelas criaturas. Eles não vêem isto como um negócio e sim como um desastre, uma catástrofe. Sentem-se vítimas de um despejo.
Trata-se de caso delicado a clamar por sabedoria e sensibilidade. Não pode ser avaliado sumariamente por metros quadrados e preços de mercado."

também publicado no www.santacom.br - 23.05.2011

Um comentário:

Anônimo disse...

Não entendi daonde a inspiração!!!