10 de outubro de 2011

JUAN I. KOFFLER ANASCO


O jurista mineiro (mas goiano de coração) Arthur Rios,
notabilizou-se como criador do primeiro Manual de Direito Imobiliário em
nosso País, merecendo prêmios de louvor, tanto aqui como no exterior, por
sua precisa obra analítica que versa, prioritariamente, sobre a proteção do
meio-ambiente urbano. Dos seus estudos sociais, Rios extraiu uma premissa
básica e indiscutível, calcada na regência da sociedade por dois tipos de
normas: as desprovidas de sanções externas (regras de convivência, regras
morais) e as sujeitas a tais sanções (as leis coativas, regras do bem-viver)
(RIOS, 2006). Se em âmbito sócio-jurídico há essa clara delimitação de
regência comportamental, o mesmo não parece ser aplicável para um Brasil
visto sob uma ótica multicomportamental -
política-econômica-jurídica-social. É através desta lente que nos deparamos
com os vários Brasis, cristalinamente identificáveis, tanto pelas normas
desprovidas de sanções externas como por aquelas sujeitas a uma tutela legal
coativa.
Basicamente, partimos da premissa de que a existência (teórica e
normativa) de unicidade nos ditames legais, morais, sociais, políticos,
culturais, econômicos, estruturais - ou seja, uma única norma para todos,
indistintamente -, em realidade (e na prática) não se sustenta, é utópica,
falsa e enganadora. Ao longo dos mais de 500 anos do descobrimento do
Brasil, esta continental nação foi, paulatina e persistentemente,
construindo sub-nações praticamente independentes, regidas por normas (não
escritas, mas sedimentadas como usos e costumes) próprias e totalmente
desagregadas umas das outras, nada obstante e em tese, sujeitas a um governo
central. Esse crescente processo desagregador, por um período de cinco
séculos, fundamentou e massificou o reconhecimento social tácito de uma
'pluri-brasilidade' que passou a ser entendida como natural - no sentido
mais pejorativo do termo.
Nos dias correntes, não é nada difícil constatar a existência dessas
sub-nações (até para aquelas massas alienadas, desavisadas e desinteressadas
com os rumos da terra onde vivem, comem e se reproduzem tal qual coelhos).
Assim, em linhas sumaríssimas, temos (salvaguardadas, desde já e para todos,
as raríssimas exceções):
(i) O Brasil político, senhor de todos os senhores, que congrega
indivíduos claramente descomprometidos com o restante das sub-nações pátrias
(e paradoxalmente mantidos por estas), profissionalizados em sua prática
torpe e espurca de adquirir, diuturnamente, o maior número de vantagens
possíveis (para si e para seus grupelhos), preferencialmente em regime
vitalício e bem ao estilo das viciadas capitanias hereditárias. Embora
existam, naturalmente, exceções a esta regra, elas são tão ínfimas,
insignificantes, que não chegam a comprometer o interesse e os objetivos do
grupo majoritário, motivo que as remete a um limbo existencial difuso. Em
qualquer nível da Federação, do mais insignificante cargo até a cadeira-mor
do poder, há sempre uma mancha obscura que identifica e rotula o portador do
cargo: POLÍTICO. Termo acertadamente pejorativo, por merecimento inconteste.
(ii) O Brasil econômico, um conjunto de ilhas confusas em meio a um
oceano turbulento, permanentemente instável, sem normas claras nem precisas,
altamente volúvel, capcioso e egocêntrico. Mero estudo informal do
comportamento destas ilhas já seria suficiente para compreender seu objetivo
primordial: MUITO LUCRO, POUCA QUALIDADE E PÉSSIMO SERVIÇO, assertiva
aplicável em seu mais amplo espectro. Seu Norte preponderante parece ser o
amadorismo ou 'chutômetro' ou 'achismo'. Daí nossos níveis de
competitividade mundial serem tão pobres e nossa pesquisa e criação
científicas inexistirem, facilitando o acesso de produtos e serviços
alienígenas ao nosso consumidor desavisado, alheado e pouco interessado em
seus direitos e deveres.
(iii) O Brasil financeiro, pequena, mas poderosíssima ilha cujo
poder está concentrado em poucas mãos, algumas estrangeiras. Concentradora
dos maiores lucros de que se tem notícia, esta ilha é um verdadeiro paraíso
do ganho fácil, uma espécie de ditadura social-financeira que mantém sob seu
jugo a expressiva maioria das sub-sociedades nacionais, com o beneplácito e
conivência do Brasil político. Um 'mal necessário', diriam alguns mais
desavisados, ao não conseguirem compreender que, quer queira-se ou não,
todos os recursos constituídos por moeda circulante, crédito, papéis etc.,
concentra-se neste restrito reino dos lucros fáceis e extorsivos.
(iv) O Brasil sindical, uma monarquia ao verdadeiro estilo de Luis
XIV. Sombra, água fresca, altos ganhos e benesses para o restrito grupelho
das cúpulas de poder, escola politiqueira que gera do seu ventre enfermo
pseudo-líderes com interesses mui próximos aos do Brasil político, com o
qual, em certos momentos, chega a confundir-se em alianças maquiavélicas. E
todo esse imenso poder, curiosamente, emanado do elo mais fragilizado da
sociedade: o suado labor do trabalhador (em sentido lato), aquele que sofre
e pena, em termos vitalícios, em decorrência de todas as sub-nações
brasileiras.
(v) O Brasil acadêmico, um verdadeiro caleidoscópio de vaidades, de
falsos orgulhos, de doentio embate por estrelismo, em paralelo a um vazio
sofrível em termos de educação. Uma constelação (como usamos denominá-la de
há longos anos) de estrelas apagadas, ou melhor e mais justo, de estrelas
natimortas. Capitaneado (e historicamente viciado) em uma ideologia
avermelhada - no verdadeiro estilo "hay gobierno, soy contra" -, quiçá de
vergonha, esta sub-nação está eivada de proselitismo destrutivo, constituída
em um verdadeiro teatro do pseudo-saber. E vejam que, em tese, é de aqui que
deveriam surgir os nossos "líderes" políticos, nossos cientistas
(inexistentes), nossos mestres e doutores, nossos empresários competentes.
(vi) O Brasil social, um grotesco amontoado de ilhotas sem eira nem
beira, mais preocupadas com seus horizontes definidos pela ponta dos seus
narizes, do que com seu País. Adoradoras dos deuses do supérfluo, do
consumismo suicida, do pão-e-circo romano, da lei de levar vantagem em tudo
(do ótimo futebolista Gerson, agraciado com a infelicidade de uma frase
publicitária que lhe 'rendeu' esta decadente homenagem, imerecida, diga-se
de passo), do descomprometimento, da alheação e alienação cívica, dos
valores efêmeros, das relações líquidas. Base da pátria-mãe, esta sub-nação,
ademais de ser o berço natural das demais sub-nações, é sua força, seu
sustento, seu poder, seu crescimento, sua evolução, seu futuro, sua
esperança. E se a base está comprometida, enferma, o que esperar, então, de
todo o resto que dela emerge?
(vii) O Brasil justo-legal, outra monarquia absolutista que bem
poderia ser representada por uma caixa preta (centro de informações
indestrutíveis e invioláveis de uma aeronave). O poder inatacável,
corporativista e fisiologista aos extremos, o dono absoluto da verdade, da
razão, da liberdade e da vida dos cidadãos de todas as sub-nações
brasileiras. Aquele que, em não raros casos, despende tanto tempo em seus
diversos decisum que acaba por privilegiar o malfeitor por prescrição do seu
crime (caso típico do que poderá ocorrer com os famigerados "mensaleiros"),
incentivando-o a delinquir; aquele que premia seu membro infrator com a
'dolorosa' pena de aposentadoria precoce (não raro, com vencimentos
integrais), dentre outras práticas discutíveis que aqui descabe esmiuçar, já
que estão sobejamente expostas nos veículos de comunicação de massa e,
destarte, são de domínio público.
Mas, como ninguém é de ferro, estão aí a Copa do Mundo, as
Olimpíadas, e outros apelativos 'populescos' - o carnaval, o futebol, as
festas de feriados continuados etc. - que acabam empanando a necessidade
urgente-urgentíssima e ingente de parar e refletir sobre todos esses Brasis,
dando um basta definitivo nesse infamante processo degenerativo nacional,
antes que se torne irreversível. Nossa terra é tão grande, tão rica, tão
prometedora, que a desconsideramos porque realimentamos, dia-a-dia, a falsa
crença de serem nossas benesses pátrias indestrutíveis e perenes. Nada mais
ilógico, doentio, anti-cívico e até criminoso com os destinos da nossa
nação.
Quem viver, verá.


Juan I. Koffler Anazco
Cientista Jurídico-Social
Professor-Orientador de Mestrado e Doutorado em Metodologia
Científica e da Pesquisa
Representante Oficial e Exclusivo para o Brasil do Instituto
Universitario de Investigación Ortega y Gasset (Madrid - España)
E da Universidad Nacional de San Martin (Buenos Aires - Argentina)
Cidadão (indignado) brasileiro, por opção.

Um comentário:

Anônimo disse...

O moço é prolixo!