26 de novembro de 2011

LAURO BACCA



"Jus esquerdeandi
O projeto da obra de proteção da margem esquerda, do ponto de vista da engenharia e da hidrologia, parece estar corretíssimo. Então, por que nossa implicância? Simples: esse projeto, tal como foi concebido, reflete como nossa sociedade vê a natureza, onde a fantástica dinâmica geobiofísica milenar de um rio, rico em habitats e formas de vida, na planilha dos engenheiros de uma sociedade de costas para a natureza, se reduz a um mero canal de escoamento de águas, nada mais. Mal e mal lembramos que os rios têm peixes e, mesmo assim, com segundas intenções.

Nessa visão reducionista da sociedade, a obra é considerada normal, até pelos órgãos ambientais, que se apressam em aprová-la, de forma burocrática e autômata, sem qualquer questionamento ou reflexão que resultem numa proteção com a mesma eficiência, porém contextualizando o rio na complexidade infinitamente maior que um reles escoadouro, envolvendo a dinâmica da paisagem, o natural e o social.

Quando são citados exemplos de renaturação de cursos d’água na Europa, os defensores da visão reducionista predominante logo dizem que por lá muitos rios estão concretados nas margens, principalmente quando cruzam áreas urbanas, que suas águas são limpas, despoluídas etc. e tal.

Acontece que a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em extenso relatório divulgado no último dia 22, alertou a Comunidade Europeia de que os ecossistemas de água doce da Europa estão seriamente ameaçados, precisando de urgentes medidas de proteção. Entre as quatro principais causas dessa ameaça figura a perda dos habitats, exatamente o que estão fazendo com a margem esquerda aqui em Blumenau.

De 6 mil espécies avaliadas no estudo da IUCN, 37% dos peixes, 44% dos moluscos de água doce, 23% dos anfíbios, 19% dos répteis, 15% dos mamíferos e libélulas, 13% das aves e 467 espécies de plantas superiores, entre outras, estão seriamente ameaçadas. Dentre os peixes, afirma o relatório, o esturjão é o mais afetado, com sete das oito espécies em “situação crítica”.

Todos os avanços já conquistados com a despoluição dos rios na Europa estão se revelando insuficientes para salvar os ecossistemas, dos quais depende a própria sobrevivência da espécie humana. Não basta controlar a poluição dos rios. Chegou a hora de proteger e recuperar também os habitats aquáticos. A diferença é que na Europa, dado o alerta, logo buscam-se estratégicas de proteção da biodiversidade. A “coordenação sobre habitats”, por exemplo, já deu bons resultados.

Por aqui, parte-se para trás, para a concretagem da margem esquerda. Pior, o rio alargou-se sozinho na última enchente e vamos gastar 10 milhões de reais extras para estrangulá-lo de novo. Se os médicos tratassem os pacientes como tratamos o meio ambiente (repito: com o aval dos órgãos ambientais!), não sairia mais ninguém vivo dos hospitais."


também publicado em: www.santa.com.br

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