6 de junho de 2013

FAROESTE CABOCLO




Boa parte da população brasileira espera afoita pelo lançamento do filme “Faroeste caboclo” (se é que já não foi lançado e eu estou desatualizado). Escuto ou leio quase todos os dias algo do tipo “é a autêntica representação de um brasileiro”; “o melhor retrato de nosso povo”; “a melhor análise social do país em música”, etc.
Gente, sério isso? Gostar da música, cantar e tocar ela numa roda de amigos, tudo bem. Mas querer elevar ela a um nível intelectual deste porte parece ser um absurdo. Uma enorme quantidade de pessoas, impulsionadas pela mídia, adota uma postura que não poderia ser sustentada se analisassem um pouco a letra da música.
Apesar de toda a justificativa social que se pretende dar para as ações adotadas pelo “João de Santo Cristo”, desde criança o cara só pensava em ser bandido (e virou bandido!), desde cedo roubava o dinheiro que “as velhinhas colocavam na caixinha do altar”. Sofreu discriminação, passou por uma experiência ruim no orfanato, provavelmente nasceu em um local com pouca ou nenhuma estrutura familiar e amparo social, sofreu horrores na cadeia. Mas, isso tudo não o torna herói nem santo.
Além do mais, no final a música diz que ele não conseguiu o que queria quando foi para Brasília: falar com o presidente para ajudar toda essa gente que só faz sofrer. Mas, no início da música ele foi tomar um cafezinho e conversou com um boiadeiro, que, como ia perder a viagem, deu a passagem para João. Ou seja, no início da música o acaso fez com que ele fosse para Brasília, no final virou um ‘nobre’ objetivo. Como assim?
Depois ele virou aprendiz de carpinteiro e ganhava 100 mil por mês. Gastava todo esse dinheiro na zona da cidade. E depois diz que o dinheiro não dava para se alimentar. Era só parar de ir à zona!
Como ele não podia deixar de ir à zona, ficou chateado com toda essa situação política e social, bolou um plano e começou uma plantação (plantação de rosas é que não foi). O “bagulho bom” do Santo Cristo fez com que ele ficasse rico e ele “acabou com todos traficantes dali” (não matou ninguém. Mandou para uma colônia de férias, claro!). Ou seja, ele virou o maior traficante do local e acabou com os outros. Mas calma, é só agora que vem o absurdo maior: De repente, sob uma má influência dos boyzinhos da cidade, começou a roubar. Fico impressionado! Até agora não tinha má influência, até agora não teve julgamento moral, só a partir da influência dos boyzinhos da cidade. Matar, tudo bem galera! Produzir e comercializar drogas, também (lembrando que boa parte dessa mesma população que está venerando o filme é contra a legalização da produção e comércio de drogas). Só roubar não. 
Daí o “Santo Cristo” virou bandido “destemido e temido”. Não tinha medo de polícia, capitão, traficante, playboy ou general. Mas, tudo bem!!! Afinal, ele conhece a Maria Lúcia e se arrepende de tudo. Ele enfrenta um general de 10 estrelas em prol do sossego de criancinhas ou de uma banca de jornal. Ele agora é o herói. E o pobre coitado do herói não foi trabalhar e tomou um porre. Falou com Pablo, se armou e começou a revender o contrabando que o Pablo trazia da Bolívia (cocaína?!). Aí nosso “herói” vira alvo do Jeremias, traficante de renome que ficou sabendo dos planos dele e decidiu que ia acabar com ele (assim como fez o João com outros traficantes, no início da música).
Então, o João, “Santo”, decidiu que só iria usar a arma depois que Jeremias começasse a brigar. O Jeremias era o “maconheiro sem vergonha”, que “desvirginava mocinhas inocentes” e “dizia que era crente, mas não sabia rezar”. Cara ruim esse Jeremias, né?! Mas, esquece o ouvinte que o “Santo Cristo” do início da música “comia todas menininhas da cidade”; “ia pra igreja só pra roubar o dinheiro da caixinha do altar” e teve uma “plantação” (que, quem sabe, pode até ter sido a geradora dos incentivos necessários para que Jeremias se tornasse traficante).
Daí o nosso “herói” decide voltar para casa, que há muito não visitava (um excelente namorado/noivo, eu presumo. Trocou a mulher pelo contrabando). Mas, como sempre, ele se arrepende e volta para os braços da amada, se casa com ela e faz um filhote para jogar no mundo.
Daí o macho herói marca um duelo com Jeremias. Dois traficantes duelando até a morte. Tudoanunciado na TV. Coliseu terra brasilis, será que tem em HD?
No final da emocionante estória o João morre, o Jeremias morre, a Maria Lúcia morre e a burguesia diz que o João era santo porque sabia morrer. Morre junto toda a coerência.
Se este fosse o “fiel relato de um brasileiro”, me perdoem os legionários, os russofanáticos e cia., mas eu não seria brasileiro. Fico feliz em saber que não é! Não gasto meu dinheiro na zona, não trafico, não mato, não roubo, não abandono minha família para contrabandear coisas. Apesar de acreditar que o problema das drogas não se resolve com a criminalização, e sim com a educação, não consigo ver um exemplo de brasileiro no “Santo Cristo”. Apesar de acreditar que nossas políticas públicas e sociais são praticamente uma aberração, não consigo achar correto todo e qualquer ato criminoso praticado, com base na justificativa de que não houve amparo em tempos de crise.


Mickhael Erik Alexander Bachmann
06.06.2013

3 comentários:

Anônimo disse...

Apoiado desde sempre,parabens pelo texto!

Anônimo disse...

o politicamente correto, virou socialmente incorreto, como "nunca na história desse país"

Anônimo disse...

17:57

ONDE CABE ESSE COMENTÁRIO?????????KKKKKKKKKKKKKKKKK